Friday, August 04, 2006

Recordando o passado (2)

Como explica que a Igreja tenha perdido força, tenha falta de recursos humanos, quando tem aparecido novas igrejas ou seitas que conseguem atrair cada vez mais crentes?
Há necessidade da Igreja Católica ter um maior contacto pessoal, sobretudo nas grandes cidades. Quem vai a uma Igreja grande perde-se, não conhece as pessoas que lá estão, muitas vezes não podem falar com o padre porque não o encontram. Há pessoas que sentem necessidade de falar. Durante a minha estadia em Lordelo, vieram pessoas falar comigo para desabafar porque vêm que estou acessível. Há ainda a tendência da Igreja pensar que basta ter número.Outro problema é a falta de recursos humanos, há falta de vocações, há padres que estão a envelhecer, outros que tem que fazer várias paróquias. Os jovens não querem ir para padre. Creio que a Igreja precisa de um abanão para acordar um bocadinho pois teve algo adormecida, apoiada na fama e no poder que tem como instituição. Outro problema tem a ver com a família que mudou muito porque os valores também mudaram, os pais já não educam os filhos, são educados na escola ou na rua. A educação é menos religiosa. Muitas vezes os mais novos não tem o acompanhamento que deviam ter. Por vezes têm más companhias que os levam à droga ou a outras situações más. As pessoas só se preocupam em ganhar dinheiro. Assim, há um decréscimo na família como salvaguarda e transmissora de valores, que levou a sociedade a desinteressar-se da dimensão espiritual. Outra questão prende-se com a formação que é dada aos padres. Alguns julgam-se senhores do mundo e as pessoas afastam-se deles porque não conseguem conciliar as suas necessidades com a maneira de ser do padre. A formação a nível dos missionários é um bocadinho diferente porque nós temos a tendência para contactar melhor com as pessoas.A Igreja usa, ainda, um discurso inadequado. Temos que mudar a mentalidade, não podemos ter uma Igreja em cima e o povo cá em baixo. Tem de estar ao mesmo nível. Tem de haver uma inversão, o padre deve dar o exemplo de um Cristo que é servidor e não servido. A Igreja deve aproveitar a acção dos leigos, envolver todas as pessoas na sua acção. Em vez de dizer “tem que ser assim!”, deve dizer “como devemos fazer?”. A Igreja deve colaborar com as pessoas. O padre da paróquia deve dinamizar a comunidade, os jovens, auxiliar os doentes, ir ao café, enfim, fazer-se visível entre as pessoas para poderem dizer: “este é um dos nossos”. A Igreja deve ser activa e estar perto das pessoas. Há que haver uma mudança porque a sociedade também muda. As seitas religiosas fazem um forte contacto pessoal que a nossa Igreja muitas vezes não faz. O nosso discurso, por vezes não é o mais adequado. Eu conheço padres novos que só falam de teologia; têm que ser mais terra a terra, ouvir o eco das pessoas. Ainda há pessoas que têm medo de falar com o padre. Mas nós padres, não somos mais que os outros, temos é uma experiência que as pessoas não têm. A Igreja tem que dar um grande salto neste aspecto: abrir mais, escutar o que o leigo tem para dizer. A Igreja deve atribuir mais responsabilidades aos leigos, sobretudo às mulheres que são as que vão mais à Igreja e as que tem menos responsabilidades dentro delas. Estou contra isso. Podíamos dar mais voz às mulheres porque são elas que mais constituem a vida da Igreja. A Igreja pode melhorar a nível de base começando pela auto-formação. Eu fui formado num seminário para missionários, com mais abertura. Uma vez fui a um seminário diocesano e aquilo parecia um quartel militar. É preciso mais abertura.
Acha que vai andar por lá muitos anos com a mesma vontade que tem hoje?
Claro que sim. Ainda estou a começar na Coreia. Estou lá há 6 anos e sei que vou ficar mais outros tantos pelo menos. Depois gostava de experimentar a América Latina, é uma outra cultura, tenho colegas latino-americanos. África já não me interessa tanto. Sou um missionário que tenta coisas novas. A Ásia, a Coreia, é completamente novo para a Igreja. Eu decidi arriscar. Sabia que a língua era difícil. Verifiquei que ainda era pior que aquilo que eu pensava. Houve dias que pensei “quem me mandou para aqui, porque não fui para o Brasil ou para outra terra”, mas aceitei o desafio. Agora estou a fruir muito mais porque custou muito ao início. Tive quase um ano sem poder fazer a missa em coreano...
Foi homenageado pela nossa terra. Acha que Lordelo está no bom caminho em termos de apoio social, nível cultural, na mobilização da juventude para actividades e iniciativas que promovam o ideal cristão e o desenvolvimento da nossa freguesia?
Na minha ausência, constato que Lordelo mudou a nível de casas, de habitação. As ruas não são tão boas como deveriam ser. Há muita juventude, ouvi dizer que havia grupos de jovens, mas não vi nada, ninguém me contactou para falar com os jovens da terra. Fiquei contente com o Centro de Dia, é importante porque apoia os idosos, a solidão é um problema muito grave na nossa sociedade. Fiquei contente com a existência de uma biblioteca, a questão da informação e da comunicação é de primaz importância. Lordelo está a crescer, mas é preciso um espírito aventureiro, ir para outras zonas e com essa experiência enriquecer Lordelo. Temos alguns padres lordelenses no estrangeiro – Brasil, África, Coreia – e em Portugal e parece-me que somos mal aproveitados. Devia haver um elo de ligação entre os nossos padres que estão lá fora e a nossa freguesia. Lembro-me que em Itália existe um jornal que chega a todos os emigrantes daquela zona... Uma iniciativa que pretendo abraçar é colaborar com as publicações da nossa terra. O senhor Fraga pediu-me para colaborar com a revista “Presença” da Lord e eu aceitei. É uma forma de abrir os horizontes das pessoas; Lordelo não é só as guerras que tem com Rebordosa, mas é uma freguesia que tem gente que pode ser melhor aproveitada. Tem que se investir muito nos jovens. Vi jovens nas jornadas culturais. Espero que eles façam mais pela terra pois eles têm muito para dar mas é preciso que lhe dêem oportunidades. Lordelo deve crescer, não apenas com prédios – agora discute-se se vai ser cidade ou não –, não é dar nas vistas, mas fazer algo de positivo sem qualquer interesse político ou particular. Lordelo tem ainda, manifestações de um certo bairrismo que demonstra alguma ignorância. A famosa questão das festas é um exemplo. O mundo é muito mais, Lordelo não está isolado do mundo. Não interessa andar aí com vaidades, mas saber o que se pode fazer para contribuir para a terra.
O mundo que o rodeia é feito de muitas injustiças. Após tantos anos em prol dos outros e de Deus, acha que vale a pena continuar a sua missão?
Mais do que nunca. As pessoas só ligam ao Mal, o Bem não é notícia. Por vezes ignora-se que a Igreja e outras religiões estão muito empenhadas na acção social e evangélica – que não são notícias. Não se fala do missionário que perdeu a vida no Congo porque não fugiu da guerra. O amor pela violência é espantoso. Qualquer miúdo vê programas onde só há porrada e violência. No meu tempo víamos desenhos animados que falavam da amizade, do respeito pelo outro. Temos em nós a tendência para o Mal, mas não somos maus, somos bons porque Deus nos criou. Existe uma cultura da violência, do individualismo, do sensacional. Gostamos de ver um desastre enorme porque não somos nós que estamos lá; sentimos um certo fascínio. A comunicação social alimenta aquilo que nós gostamos de ver. Na televisão portuguesa, o horário nobre é preenchido por telenovelas. Ora, um povo alimentado a telenovelas não é inteligente, torna-se passivo, sem espírito crítico. As pessoas interessam-se mais por este tipo de programas do que pelas matanças e atrocidades que acontecerem, por exemplo, no Ruanda, e que acontecem noutros sítios. São indiferentes a essas atrocidades, está-lhes muito longe. Só lêem a Maria, a Caras, a Vip ou outras do género; as pessoas não gostam da vida delas e aspiram a uma vida que não é a delas, tornam-se alienadas, projectam a sua vida na vida dos outros. Assim interessam-se mais pela riqueza do que pela miséria dos outros. Interessa mais o Masterplan – como eu vejo em certos cafés – que o problema de Angola que saiu da guerra e precisa de reconstruir tudo. As pessoas preocupam-se mais por coisas comezinhas sem serem reivindicativas, tornam-se passivas. As pessoas devem reclamar quando tem razão. Olhar para a televisão não muda o mundo, o importante é a relação com os que estão à minha volta. Por vezes as pessoas interessam-se por Timor – e muito bem – mas esquecem-se dos seus vizinhos dos seus familiares. As pessoas vivem perto umas das outras, mas estão cada vez mais sós, sobretudo os idosos. A vida não é só fazer dinheiro, mas ser solidário com os outros. Quando morremos não levamos nada.
Até porque o Teixeira ainda não faz caixões com bolsos...
Exacto. Numa sociedade individualista cada um pensa só para si, mas a vida não sou só eu. Só lembrarmo-nos do sofrimento dos outros quando estamos na mesma situação. Quem vive nos apartamentos sente uma grande desumanização. O meu pai costuma dizer que a nossa família são os nossos vizinhos, devemos criar boas relações porque são eles que nos acodem quando estamos aflitos. Temos potencial para fazermos um mundo melhor, mas isso tem que começar para nós. O fundamental é cimentar boas relações inter-pessoais porque é aí que encontramos Deus. Deus não é um conceito vazio que aprendemos na catequese; Deus é relação, é amor pelos outros. M.C./V.L.
Bom, espero que tenhais gostado. A mim fez-me bem reler esta minha entrevista, pois ajudou-me a contextualizar o que estou viuvendo actualemente. Ou seja, acredito ser importante de vez em quando pararmos e analisarmos o modo como estamos levando a vida. E creio que um dos melhores metodos e' o de recordar as nossas conviccoes pessoais e ver ate' que ponto estamos ou nao sendo fieis a nos proprios.
Bom, termino com umas fotos divertidas, pois a vida nao e' so' feitqa de coisas serias... A primeira pode ser chamada de "Os 3 tenores", enquanto que a 2a expressa o que sinto neste preciso momento: uma enorme vontade de matar a minha sede!!! E' isso que vou fazer...
Ficai bem e ate' mais logo.
Anyong!

No comments: